Poema Pra Você Ficar
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09 agosto 2010

Página Perdida




"Numa manhã de feriado
Eles passaram pela porta da minha casa
Eles
com os seus estandartes
clamando por violências." (Alípio Raimundo Viana Freire)*








Ó paizinho, tua voz enrouquecida,
As tuas mãos infladas do penar,
Murmúrios que agitavam tuas cismas,
As nuvens que pousavam no teu rosto,
O dever de se ser o que se é,
Antes de tudo por amor perfeito,
Nada te perturbava tanto a alma
Como um futuro de que não eras dono...
Laboraste até a última gota
De suor; mas, no entanto, não colheste
Das raríssimas flores que plantaste...
E assim me ensinaste ser a vida...
E eu já não posso ouvir quando mais quero,
Ó paizinho, tua voz enrouquecida...


Foi assim que, mal descobrindo a tamanha beleza da flor do quiabo plantado por meu pai naquele santuário, quintal imenso - que por tempos havia servido de campinho de futebol a meus irmãos mais velhos e colegas - as máquinas ali adentravam: sem mandado de imissão, sem perdão, sem ultimato. Aquele coração calejado de um pai mais que sangrava. Poeta desses sem qualquer escrito, sublimou suas dores ainda por um tempo noutros canteiros. E ali fui eu / apenas seu / aprendiz.**

Mas não queiram nunca compreender essa beleza estranha de uma flor de quiabo segada por uma pá-mecânica...

**Pequena história de um pai de doze filhos, ferroviário, não doutor,
aposentado, plantador, não invasor,
sua hortinha, sua casinha 
adquirida, consentida, construída
num terreno
de outro dono, seu patrão(:),
a Ferrovia, a Central do Brasil
e que, ao final, 
quem diria,
não era,
ou era
o real
o invasor.
Seu doutor,
como apagar?
E o meu campinho roubado?

foto: detalhe de trilho da Estrada de Ferro Central do Brasil - EFCB - em Carandaí-MG, próximo à Estação.

* A citação de Alípio Viana compõe o seu poema "O Desfile da Besta Rompante", da Coletânea Mil Poetas Brasileiros (que também integro), do Instituto da Poesia Internacional (org. Toni Carré), Porto Alegre, 1994.

09 maio 2010

MADONA





Ó minha mãe, na tua casa os ninos
Não precisam chorar para afagá-los;
O teu colo de flor adocicada
Nos alivia as nossas enxaquecas...

Daquele chão de argila modelando
Nosso rostinho mudo as mãos macias...
Nossos trajos tão pobres, tu os cosias
Com toda a prestitude de teus dedos...

Ó minha mãe, na luz das madrugadas
Do caritó dos velos de tua alma
Dormiram na saudade mil poetas...

O mundo aqui revolta e nos vulnera...
Devolvo um doce olhar para tanto afeto,
Pensando as chagas de uma escultura...



(Minha mãe: 79 anos; 3 mães; 12 filhos; uma vida, um livro a cada dia)

04 maio 2010

HÚMUS















Quando eu saía,
Você chegava;
Nenhuma  aflição marcava
Minha utopia.
Amava o desencontro,
Brincava
Poesia.
Quando me fui embora,
Você também. Nem
Planejamos
Uma saudade junta...
Hoje, eu olho,
Na visita
À minha terra,
A estação,  o trem
E o movimento de nadas
Da névoa,  frio,  sol,  amanhecer.
Húmus.
Você, Você, Você, Você, Você,
Nem seu sorriso a me obsolescer
Com uma saudade junta.